sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Capítulo VII - A Chegada

            Louise vive na mesma rua que eu, mas mesmo assim não éramos próximas nem nada que se parecesse com isso. Porém, pensei enquanto tentava convencer-me a continuar e bater à porta dela, ela era a pessoa mais próxima a mim, além de Lewis, e ainda por cima é mais crescida e tem mais experiência de vida do que eu, para além de ser mais velha dois anos, deve de ter paciência para aguentar com esta minha confusão e conseguir ligar uma luz para me orientar neste labirinto.
            Sentia-me constrangida por sentir que não tenho confiança suficiente com ela ao ponto de poder fazer isto, mas por vezes as opiniões que vêm de fora podem ser uma ajuda muito útil. Lewis enviara-me para o labirinto que criara com todo o seu mistério, dizia-se conhecido da minha avó e do meu avô, mas com a minha nova forma especial de saber as coisas vi que algo de errado se passou comigo e que, talvez, o prendeu a mim o resto da vida dele, a julgar pela cara que o Lewis Desdrov adolescente fez à mãe dele. Mesmo assim, para todos os efeitos, Lewis era um desconhecido, uma pessoa que conhecia só de vista por se comportar de forma tão reservada.
            - Cassie? O que fazes aqui, querida?
            Nesta altura já estava à porta dela e a voz veio do meu lado direito. Ao olhar, vi Louise a espreitar por uma janela com o cabelo prendido com um gancho branco numa espécie de carrapito que lhe deixava o cabelo aos canudos pendurado para o seu lado esquerdo sorridente como o Sol do amanhecer. Só precisaria de um fato de princesa para ser a Rapunzel do século XXI.
            - Bom dia, Louise. – Disse aproximando-me da janela.
            - Aguenta só um pouquinho, Cassie. – Disse erguendo o dedo indicador e voltando para o interior da casa. Fiquei à porta uns segundos até ela me abrir a porta, mostrando-me um roupão de Verão branco com cerejeiras a florescerem pelas bainhas até abaixo do peito e cotovelos. – Desculpa ter-te deixado à porta mas não estava decente. Entra, por favor. – convidou fazendo um gesto abrangente para o interior da casa. Passei os pés pelo tapete de entrada e dei o passo que me levou para uma casa toda feita de madeira cor de caramelo adornada de quadros paisagísticos orientais e tapetes de simples e claros floreados. Num segundo, Louise estava à minha frente.
            - Estava a preparar o pequeno-almoço, Cassie. Fazes-me companhia? – Perguntou muito animada e tímida ao mesmo tempo, como se fosse uma criancinha contente por ter visitas. Apesar de já ter comido, aceitei o convite e segui-a até à cozinha, daquelas bem coloridas e vivas. A pequena mesa para quatro pessoas estava colocada perto da janela da frente e tinha uma jarra transparente com quatro malmequeres amarelos e havia um balcão com cadeiras de bar colocadas em fila em frente a este. No fogão estava uma cafeteira a aquecer leite já a formar natas e Louise, também a ver o que se passava, foi a correr para apagar o fogão.
            - Ai meu Santo Deus, sou mesmo uma despassarada de primeira. Cassie, está à vontade, senta-te onde quiseres, querida.
            - Não precisas de ajuda, Louise?
            - Não, querida, muito obrigada. Diz-me, o que te trouxe cá? – perguntou enquanto passava o leite para duas canecas grandes também brancas e floridas.
            - O Lewis contou-me que ontem tu ficaste preocupada comigo e, bem, eu também fiquei um pouco preocupada contigo depois de termos visto aquele homem no beco.
            Louise aproximou-se da mesa dos malmequeres com as canecas, voltando atrás para pegar num prato de pão de forma torrado e num frasco de doce de morango. Pela sua expressão, ela estava mais preocupada do que quando me viu antes de entrar.
            - Eu estou óptima, querida, não tens de te preocupar comigo, a sério. Eu fiquei mesmo um pouco sobressaltada. Está bem que o Lewis me garantiu que foi uma tontura ou uma indisposição, mas não foi o suficiente para me acalmar. O que te deu a noite passada?
            - Bem… eu… tive uma tontura porque ontem não tive muito tempo para comer e então fiquei fraca.
            Ela parou de passar a colher de doce de morango na fatia de pão e olhou-me com um ar sério, de sobrancelha erguida.
            - Cassandra-Marie Gohstly, tu não estás de dieta, certo? – Perguntou. Automaticamente, arregalei os olhos.
            - Não! Estou muito bem assim. Ontem é que não tive tempo para comer antes de ir trabalhar, principalmente depois do que se passou ontem. – Ela baixou o olhar para o que estava a fazer. Aproveitei para começar a entrar no assunto que me levou ali. – Como sabes o nome dele?
            - De quem? Do Lewis? O Bryan é maluco pela Europa e esteve uns tempos em Moscovo, daí ele conhecer a família do Lewis. Disse-me que ele descende de uma família dona de um bar muito conhecido e muito bom nessa cidade.
            - Tu das-te muito bem com o Bryan, não é? – Perguntei bebendo um pouco de leite. Ela corou ligeiramente e simulou um esboço de um sorriso tímido por detrás da fatia onde tinha colocado doce de morango.
            - Bem, pode-se dizer que eu tenho um grande fraco por ele. Mas não sei se é recíproco. Às vezes parece que está interessado em mim, mas noutros parece que só me falta pregar um pontapé para o deixar em paz. – Baixou a caneca e olhou para mim num tom de timidez. – Isso é assim tão notório?
            Num segundo lembrei-me do que senti nela no primeiro dia em que fui trabalhar ao Old Burger, a preocupação que ela tinha por alguém, alguém que de certeza estava muito próximo dela. Queria contar, mas se contasse ela poderia achar-me maluca e poderia afastar-se de mim e isso não quero eu, não antes de eu tirar alguma pista que me possa ajudar a decidir. Abanei a cabeça ligeiramente e ofereci-lhe um pequeno sorriso.
            - Não é isso, apenas chamou-me a atenção a vossa relação, parece que se conhecem há muito tempo. – Menti, da forma em que a minha vida andava, nem sequer reparava quando é que Bryan e Louise estavam na mesma sala. Mas valeu a pena; as dúvidas que ela poderia estar a criar na cabeça dela pareceram dissipar-se.
            - Nós conhecemo-nos há já alguns anos e dou-me bem com ele, mas não sei, Cassie… Lembras-te de quando me deste boleia depois do trabalho?
            - Sim, foi no meu primeiro dia de trabalho. – Respondi antes de beber mais um gole de leite. Ela pousou a caneca e, com isso, a minha mente abriu-se e vi a dela. Afinal ela não é tão positiva, tipo Sol, como eu pensava: a mágoa e a solidão eram coisas que enegreciam a alegre Louise, como se se tratasse de um beco à noite a servir para um filme dramático ou de acção. Aquilo era contagioso, ela sentia-se sozinha e tão deprimida que estava sempre num estado de auto-piedade daqueles que só os que sabem ver as mentes como eu vejo é que têm uma percepção, e isso fazia com que eu tivesse também pena dela. No entanto, neste meu vislumbre, ela falou.
            - Nessa noite, quando eu estava a ir para casa, vi que algo estava errado na minha casa, mas por fora estava tudo normal. Quando entrei, deparei-me com o meu namorado sentado no teu lugar e estava a beber uma cerveja. Basicamente, quando deu conta de que estava a entrar nesta divisão, ele começou a disparar coisas muito duras e rudes, disse que eu estava interessada era no patrão e não nele, que eu só o enganava e, era isto que ele queria no fundo, não valia de nada continuar a ver uma pessoa como eu.
            À vista de uma pessoa normal, ela parecia apenas abatida, mas interiormente, ela estava a cantarolar músicas para evitar chorar à minha frente, vi que isso para ela era algo um pouco embaraçoso. Ela queria e precisava de atenção, de mimos de alguém que ela soubesse que nunca a largaria por nada, estava no seu direito, mas não queria entrar muito mais neste assunto; ela sentia que estava a conseguir ultrapassar isto e voltar a lembrar-se… da joelhada que ele lhe deu na barriga. Tentei manter o meu rosto impassível, dentro do contexto, mas ela precisava mesmo de atenção. Cheguei a minha cadeira à dela, passei o braço pelos seus ombros e encostei-a a mim, apesar de para ela ser mais complicado por ser mais alta do que eu.
            - Podes contar-me tudo, Louise. Eu não o digo a ninguém, a sério. – Até porque não tenho ninguém, guardei para mim. Ela, corajosa, continuou a guardar as lágrimas para ela, e prosseguiu.
            - Eu mandei-o de casa para fora e comecei a sentir-me estranha, nem te sei explicar. Só sei que fui para a casa de banho e ouvi algo a cair na sanita, tipo um estrondo como se fosse um quilo de açúcar a cair lá dentro, e eu assustei-me e ­­­­fui logo ver. Eu não percebi o que tinha em mim, só sei que estava tudo cheio de sangue e que estava lá uma coisa parecida com um feijão gigante e foi então que me apercebi de que eu estava grávida e que tive um aborto. Ele tinha-me empurrado contra uma parede e pregado uma joelhada na barriga.
            - Espera, ele bateu-te? – Perguntei, tentando manter um total desconhecimento do que se tinha passado.
            - Sim, e ele queria dar-me outra joelhada, mas eu dei-me uma cabeçada e mandei-o de casa para fora aos murros. Eu não sabia que estava grávida, Cassie, eu juro que não sabia nem de perto e apesar de não pretender ter filhos, eu criaria uma criança que nascesse de mim e cuidaria dela com todo o meu amor mesmo que a gravidez fosse acidental. – Ela agarrou-se a mim e começou a chorar. Eu não sabia o que fazer, mas tentei imitar a minha avó e comecei a passar-lhe as mãos pelos cabelos e deixá-la chorar.
            - Tem calma Louise. Não estás sozinha, tens o Bryan…
            - Tenho o Bryan tal como tu tens o Lewis. A diferença é que entre ti e o Lewis há algo e, no meu caso, isso não existe, nem sei se somos sequer amigos… por isso só te tenho a ti.
            Deixei-a assoar-se a um guardanapo que tinha na mesa e preparei-me para o que estava a conseguir.
            - O que queres dizer com isso do “haver algo”?
            Ela desencostou-se de mim e olhou-me num ar repreendedor de “não me digas que não sabias” num tom avermelhado no nariz e nos olhos do choro. Bem, ao menos ambas ganhávamos, eu alguma dica e ela uma distracção.
            - Não me digas que não reparaste que o Lewis está interessado em ti, Cassie!
            - Não, achas? Ele tem andado muito preocupado comigo, só isso. – Rematei.
            - Hm-hm, Cassandra, tenta lá enganar-me querida. Ele ‘tá apanhadito por ti como a abelha pelo pólen e olha que tu sabes dar luta ao rapaz. – Repreendeu simpaticamente e ao auscultar a sua mente, percebi que ela já estava a descontrair e a mente a aclarar na tonalidade de cor.
            - Como é que viste isso? – Perguntei de forma a puxar ainda mais a conversa.
            - Por favor, amiga, o jovem é totalmente protector contigo e a forma como ele te olha é muito contida mas ao mesmo tempo é muito intensa de um sentimento único. Espera lá um pouco, tu não te apercebeste de nada?
            - Não – Comecei lentamente. – Ele é muito protector, sim concordo, e é muito atencioso mas eu nem tenho tido muita cabeça para prestar atenção a isso tudo, Lousie. Eu fugi de casa uns dias depois, os meus pais são mortos assim, do nada, sem saber em que circunstâncias, tenho estado a tentar achar um ponto de estabilidade e só consigo equilibrar-me na corda porque o Lewis tem-me ajudado e muito com esta trapalhada em que me meti…
            - Bolas, mulher, e tu ainda achas que estás mal? Os meus pais despistaram-se num acidente ao qual sobrevivi e quando pus os pés cá em casa tive uma tia marada que tentou apoderar-se de tudo o que era dos meus pais e se não fosse o advogado e a tua avó eu teria perdido tudo. Tu ainda tens um homem que te ajuda.
            Como se tivesse ouvidos, o meu telemóvel começou a tocar. Não sei como, o número que me aparecia era identificado com o nome de Lewis. Franzi o sobrolho a estranhar o que estava a ver, mas atendi na mesma.
            - Estou?
            - Cassandra, desculpa interromper, mas acho que está na hora de nós irmos embora. – Disse-me ele. Louise, ao meu lado estava a assoar-se a piscar-me o olho. Felizmente, pelo que estava a perceber, as tristezas tinham-se dissipado da sua mente.
            - Está bem, dá-me cinco minutos.
            - Claro. Estás com a Louise? – Perguntou após uma pausa de dois segundos. Franzi o sobrolho a olhar para Lousie.
            - Sim, está. Porquê?
            - Podes-me passar a ela, se faz favor?
            - Sim. – Disse já a apontar o telemóvel a Louise. “O que foi?”, perguntou baixinho, “Não sei, ele quer falar contigo.”, gesticulei encolhendo os ombros. Louise também encolheu os ombros despreocupada e pegou no telemóvel.
            Desliguei-me da conversa e comecei a pensar em Louise. Ela tinha razão, não é preciso investir muito tempo em tal: Lewis age de forma diferente comigo, apesar de ser sempre muito bem-educado com todos. Mas ontem à noite ele mostrara uma face diferente, mostrou a brutalidade e a força que um homem deveria ter, mostrou-se ameaçador e quase me deixou com pele de galinha com a aura que vi. Na altura, a sua intervenção não tivera quase nenhum efeito para além da surpresa, mas agora ao pensar nisso, sinto-me como se os ossos fossem gelatina. Só espero que não tenha e lidar com aquele lado dele.
            - Toma, querida. Eu vou atender o telefone. – Disse Louise já de pé ao meu lado. Peguei no telemóvel e vi que ele não tinha desligado, por isso pu-lo no ouvido e falei.
            - Assim que possas, vem.                                                         
            - Sim, em dois segundos estou aí.
            - Essa é boa. Até já. – Disse entre gargalhadas. Assim que ponho o aparelho na mala, aparece-me Louise.
            - Não sabia que tu ias ausentar-te durante uns dias.
            O quê? Pensei que fossem por umas horas, não dias! Está bem, Lewis Desdrov deve-me algumas palavrinhas…
            - Fui combinado assim do nada. O Lewis precisa da minha ajuda e então eu vou com ele.
            - Hm-hm, pois, pois, já ouvi muita coisa, agora precisar de ajuda… é muito pouco inovador… mas serve. – Disse brincando.
            - Tu não existes, Louise. Bem, tenho de ir que ele já está à minha espera.
            Ela dirigiu-se a mim e abraçou-me de uma forma terna e carinhosa, como se fossemos irmãs e não nos víssemos há muito tempo. Surpreendida, ainda consegui retribuir o abraço.
            - Faz uma boa viagem e muito obrigada por me teres ouvido. – Disse-me.
            - Não tens de quê, Louise. Sempre que quiseres, ligas ou apareces lá em casa.
            - Claro. Mais uma vez, boa viagem.
            Ao sair porta fora, senti-me bem. Tinha ajudado uma pessoa e, vá lá, nada mau Cassandra, fiz o que as pessoas com amigos fazem. Mas ao avistar o lugar do meu carro do meu carocha, pareceu-me ver tudo menos o meu carocha.
            - O que raio andou ele a fazer parar me encher o carro de malas? – Perguntei para mim mesma, enquanto me dirigia ao carro. Quando cheguei ao lado dele, espreitei para dentro. O banco de trás estava atolado com o que me pareceu para aí cinco malas de viagem, algumas delas as que usei quando fugi de casa.
            - Desculpa a invasão, mas a viagem é longa e tive de preparar alguma roupa. – Disse Lewis atrás de mim quando menos esperava. Lá tive o segundo susto com direito a salto do dia, já que o último fora de madrugada. Mas será que os sustos ainda não acabaram?
            - Lewis, podes tentar fazer entradas mais espalhafatosas, tipo aclarar a voz ou dar passos ruidosos, algo parecido? É que gostaria de sobreviver ao dia de hoje sem mais sustos. – Ele, em resposta, continuava a olhar-me com cara de quem tentava não rir a bandeiras despregadas e eu, em resposta, tentava fazer cara de não achar piada, apesar de me dar vontade de rir. – Já agora, acho que me omitiste a parte de que íamos estar dias fora e não horas.
            Quando disse isto, ele pareceu deixar de ter tanta vontade de rir e tentou ser mais sério quando falou.
            - Desculpa Cassandra, passou-me completamente da cabeça que tinhas de avisar o Bryan, foi por isso que liguei à Louise.
            - Está bem, mas não me avisaste, é essa a questão. Mas não há problema, o Bryan já sabe, é o que interessa.
            Nem me atrevi a escrutinar-lhe a mente, sentia que tinha de poupar a cabeça para o resto do dia, por isso segui para o lugar do condutor do carro.
            - Se quiseres, posso conduzir. – Ofereceu-se Lewis.
            - No meu carochinha conduzo eu, excepto se estiver incapacitada, ‘tá? – Ele deixou escapulir duas gargalhadas que fizeram nascer irrequietas borboletas na minha barriga e um sorriso parvo na cara. Sem mais demoras, entrámos no carro e Lewis pegou no telemóvel que mais parecia o que os informáticos da minha ex-turma chamariam, numa tentativa de parecerem fixes, de “nano-mini-micro computador bué’da à frente, meu”, para depois me dar indicações.
            - Sabes o caminho para Houston? – Perguntou.
            - Eu nasci lá, portanto devo ter ainda alguma ideia. É para lá que vamos?
            - Sim, é.
             Liguei o carro e coloquei-nos na estrada. O dia era solarengo e o calor, principalmente dentro do carro, tornava-se um pouco insuportável para mim. Lewis mantinha-se normal como se nada o afectasse, nem mesmo a monotonia que conduzir em estradas rectas nos dá. No entanto, falávamos pontualmente, quando era necessário e a partir daí dizia-se uma ou duas coisas e voltávamos à fase do silêncio. Ele estava de óculos escuros, mas sentia-o a olhar-me insistentemente, porém, como não confio no meu instinto, olhei várias vezes pelo canto do olho e, pelo menos, a cara estava virada para mim, o que me deixava sempre um tanto ou quanto incomodada.
            Quando estávamos perto da entrada de Houston, cerca de hora e meia depois, olhei pela enésima vez para Lewis, que aproveitou a oportunidade.
            - Porque olhas tanto para mim?
            Fiquei atrapalhada pela pergunta, principalmente quando percebi o tom de diversão. Apesar disso, saber que a minha voz estava impassível face à pergunta e à forma como ela fora feita foi algo que me deu algum alívio.
            - Por nada de especial, simplesmente parecia-me que estavas a olhar para o meu lado.
            Demorou um segundo para me responder. Pelo tom parecia estar a sorrir.
            - Ah, isso era porque estava mesmo a olhar para ti.
            Apeteceu-me fazer algo parecido com um escândalo, mas de repente e inesperadamente, fui apanhada pela mente de Lewis, que se lembrava de um baile de escola. Percebi assim que a imagem se tornara mais nítida que aquele evento era para ele algo mesmo aborrecido, principalmente se o motivo que o levara ali se fosse embora. No entanto, todo o cenário que ele relembrava não me era estranho, tudo me lembrava a primeira e, graças aos Céus, a última vez que eu fora a um baile de finalistas, no final deste ano lectivo. Pelo menos, o palco estava no mesmo sítio, a banda era a mesma banda rasca da escola, os professores estavam na mesma mesa, a disposição das coisas era a mesma.
            Quando já estava interessada em continuar a ver isto tudo, ele interrompe a recordação, como se estivesse em sintonia comigo e dá-me mais indicações.
            - Vais sempre para Norte até começares a ver a zona residencial.
            Continuei e quando menos esperava, passados poucos minutos, ele voltou à carga.
            - Tu não tens amigos?
            Esta foi difícil e engolir, no entanto tinha de sair dali com resposta.
            - Nunca fui de ter muitos amigos. Basicamente era a esquisita da turma, ninguém se aproximava de mim.
            - Então, para ti, a Louise é-te muito especial, não?
            - Sim, é o mais próximo de amiga que tenho, pelo menos no momento.
            Quando respondi, vi-lhe na mente uma vontade de me perguntar se já tinha ido a algum baile de gala e senti que ele estava muito perto de o perguntar, por isso optei por mudar de assunto.
            - Diz-me lá uma coisa, o que vens aqui fazer?
            - Venho falar com um familiar meu que está dentro do caso que ando a investigar.
            - Então, porque vamos ficar uns dias?
            - Porque ele tem sempre a casa cheia de gente e assim damos menos nas vistas. Ele pensa, tecnicamente que o sobrinho dele vai visitá-lo porque está velhote e leva a namorada. – Explicou apontando para mim. Demorei um par de segundos a assimilar o que ele dissera.
            - Desculpa, tu disseste “namorada”? Tu queres dizer que eu vou-me passar por tua namorada?
            - Sim, mas deixa estar ele já não vê muito bem não precisas de me beijar.
            - Tu é que tens essa mania, não eu.
            - Não tenho a culpa de não me ocorrer mais nada quando temos de investigar.
            - Pois, pois. - Disse, mais ou menos desconfiada.
            O facto era que, agora que pensava nisso, relembrava as vezes em que nos beijámos, comecei a sentir uma espécie de formigueiro algures entre a barriga e o peito, como se fosse uma mão a fazer-me cócegas nessa área. Não entendia ainda muito bem o que sentia relativamente a ele, mas a minha mente já se precipitava na resposta: tu ama-lo, dizia a minha cabeça, mas não queria admitir isso. Porém, sempre que dizia a mim mesma que não o amava passava-me pela memória a noite em que ele acabara por se deitar comigo. Eu não desejava relembrar aquela noite, sentia-me envergonhada e sem jeito.
            - Lewis, tu tencionas ficar na casa da minha avó definitivamente? – Perguntei hesitante.
            - Pelo menos, tenciono ficar por um bom tempo em tua casa, sim. – Respondeu com um banal encolher de ombros. – Mas se tiveres algum problema com a minha presença, não há problemas, eu saio assim que mo peças.
            - Não, não, Lewis, não te perguntei por me sentir mal com a tua presença, era apenas por curiosidade, nada mais. Eu até prefiro ter mais alguém comigo em casa.
            Assim que disse isto, comecei a ver mal. Havia algo a passar-me em frente aos olhos que me impossibilitava de ver nitidamente, como se fosse uma cortina muito fina ou um nevoeiro mais cerrado, mas definitivamente não era encadeamento pelo Sol. Desacelerei e tentei focar a visão no ponto de fuga, mas não me serviu de muito, cada vez piorava mais.
            - Lewis, tens de levar o carro. Eu não estou a conseguir ver bem. – Informei um pouco alarmada. Ele endireitou-se de imediato no seu lugar, colocando-me as mãos no volante para endireitar a direcção.
            - Faz sinal para a direita. O que tens? – Perguntou-me tenso e numa voz contida.
            - Não sei, foi de um momento para o outro, não faço ideia o que se passou. Apenas vejo tudo como se tivesse algum tipo de tecido muito fino e transparente à minha frente. – Disse enquanto andava a passo de caracol e tentava colocar o carro no interior de um parque de estacionamento de um supermercado. Lewis ajudava-me com o volante e fomos assim até pararmos no local.
            Quando desliguei o carro, tratei logo de tirar o cinto e sair do carro. Quando estava para agarrar o manípulo e abrir a porta, já Lewis, não sei como, me abria a porta com o que me pareceu uma cara de caso a turvar a beleza dos seus olhos. Senti como se tivesse mais pena dele do que de mim e tentei recompor-me, mas não conseguia concentrar-me como se estivesse perto de desmaiar e sentisse a consciência a esbarrar até eu cair no chão. Tudo o que ele fizera fora pegar no meu rosto e olhar-me atentamente nos olhos.
            - O que estás a ver neste momento?       
            - Vejo-te muito mal, mas ainda consigo distinguir bem os elementos do teu rosto. É como se te visse desfocado.
            Ele olhava-me ainda atentamente e quando tentei concentrar-me nos olhos dele, senti-me leve e muitíssimo melhor, mais parecido com a tranquilidade com que se adormece, mas não tinha sono nenhum para adormecer. Lewis fez deslizar uma mão até à minha cintura e a outra até à minha nuca, abraçando-me sem deixar de o olhar nos olhos. Era boa a sensação de sentir um pouquinho de calor e uma paz reconfortante, como uma almofada bem cheia que envolve a nossa cabeça quando a pousamos sobre ela. Lewis ainda me olhava nos olhos muito atentamente e eu tentei, educadamente, manter os meus abertos. Só me apetecia fechar os olhos e tombar a cabeça para a frente e enterrar o rosto no peito dele…
            - Estás melhor? – Perguntou, colocando uma madeixa do meu cabelo para trás dos ombros. Muito lentamente, comecei a sentir o peso da realidade e, felizmente, uma melhor visão. Acenei, maravilhada com a forma como ele se tornava mais real.
            - Mas talvez seja melhor levares o carro, por via das dúvidas. – Acrescentei levantando o indicador direito. Ele assentiu e levou-me ao lugar do pendura, com uma mão ainda na minha cintura.
            O resto do caminho fora feito em silêncio. Apesar de me ver melhor, sentia o corpo cansado e um sono fora do normal. Lewis ia de vez em quando perguntado como estava. Reparei que ele estava ainda tenso e que conduzia muito depressa, era rápido mas muito seguro, executava as curvas na perfeição e ainda tinha o à-vontade para olhar para mim como deve de ser, tomando o tempo necessário para ter a certeza de que eu estava bem. A verdade é que chegamos ao destino em menos de meia hora, já na zona residencial. As casas eram todas grandes e exuberantes, luxuosas, com muros altos e portões com padrões de eras de ferro a subir pelo gradeamento emoldurando, por vezes, nomes de família. Lewis continuou a passar por todas aquelas casas até chegar a uma ao fundo da rua, a mais isolada delas todas.
            Era uma mansão com um grande jardim, toda cercada de altas grades envoltas em trepadeiras de rosas e outras flores em botão. O portão, ao contrário dos de outras casas, era muito simples e convencional parar dar o destaque ao jardim, que era uma espécie de labirinto com passeios rodeados de arbustos rigorosamente bem aparados e baixos que nos conduziam a um pátio coberto onde estavam no momento dois carros e uma mota. Os portões abriram-se por si, sem ninguém dizer nada e à medida que entravamos na mansão, eu via a expressão de Lewis a mudar gradualmente de tensão a fúria.
            - Está tudo bem, Lewis? – Peguntei cautelosa.
            - Está, Cassandra, apenas acho que o meu tio hoje não está muito bem acompanhado. – Tornou, dedicando-me um pequeno sorriso.
            Apesar de tudo, ainda olhava para o jardim. Era fantástico na sua simplicidade: os muros laterais já eram um pouco mais elevados que o gradeamento à frente e feitos de tijolo e já se encontravam envoltos em mais trepadeiras em flor com as pétalas a dançarem ao ritmo do vento até pousarem no chão. Altas e antigas árvores encontravam-se pontualmente nos cantos do espaço e cujas ramificações conduziam ao centro, como que emoldurando também a casa toda ela feita de madeira.
            Esta era moderna mas deveria ter sido restaurada. A fachada principal apresentava-nos duas varandas correspondendo ao rés-do-chão e ao primeiro andar, ambas simples com pilares cilíndricos igualmente envoltos em pequenos esboços de flores a crescerem por estes acima, acentuando o tom rústico e luxuoso da construção. As janelas eram altas e coloridas com cortinados brancos ladeados de outros vermelhos. Lewis desviou-se para o pátio coberto e enquanto se preparava para descer, olhou-me.
            - Estás melhor?
            - Sim, estou obrigada. Não sabia que o teu tio tinha uma casa tão bela.
            Ele lançou duas gargalhadas e respondeu ainda animado.
            - Ele sempre gostou de dar nas vistas.
            Ele parou o carro de forma a ter apenas de arrancar e seguir em frente. Levantei-me e depois de me ter posto de pé só vi Lewis ao meu lado e ouvi uma voz vinda do exterior do pátio.
            - Ah, olha só quem aqui está! – Logo a seguir, a voz tomou um corpo. O homem era da mesma altura que Lewis, mas muito mais magro e pálido com cabelos louro-platinados intervalados por uma franja metade cinzenta, metade branca como uma nuvem. Os olhos eram pura água congelada, um misto entre azul ciano e cinzento fenomenal e deslumbrante. A sua postura, apesar da magreza, era imponente, digna de um verdadeiro líder, demonstrava inteligência e a frieza de um calculista que era atenuada pela cara ligeiramente redonda e com bochechas de criança, estas por sua vez acentuadas por um par de óculos redondos de lentes um tanto ou quanto grossas. No entanto, a voz não era nem forte e dura ou fria e calma, fazia-me lembrar Louise no modo normal: exclamações acompanhadas de vozes e expressões infantis.
            Lewis agarrou-me pela cintura, colando-me a ele, no momento em que o homem se aproximava de nós com a sua camisa branca e as calças de vinco. No meio disto tudo, eu limitei-me a olhar para o homem.
            - O meu querido sobrinho, há quanto tempo que não nos víamos. – Só faltava a roupa de pirata e a pele escura de Johnny Depp para termos um Jack Sparrow na minha frente. Parado à nossa frente, o homem tinha o braço esquerdo dobrado para cima com a mão semicerrada a pender para a direita com a palma virada para cima. Lewis não me largava, aliás, ele apertava-me progressivamente.
            - Vá lá tio, cinco anos não é assim tanto tempo. Não é o tio que diz que o tempo passa num tiro? – A simpatia que Lewis transmitia era rígida mesmo acompanhada pelo sorriso. Não precisei de mais para entender a situação. – Cassie, este é o meu tio Bruno. Tio, esta é a Cassandra, a minha companheira.
            Bruno ajeitou os óculos e olhou-me de alto a baixo, muito sério. A seguir, estendeu a mão esquerda e disse, com os olhos suprimidos pelas bochechas sorridentes.
            - Olá Cassandra. Eu sou o Bruno, tio materno de Lewis. Sê bem-vinda à minha casa de férias.
            Ok, pensei lentamente enquanto apertava a mão estendida, fina, longa e pálida e me obrigava a sorrir e a agradecer, só ma pergunta, onde é que me meteram?. Como se fosse um ataque de sintonia, Lewis passou o polegar pela minha cintura enquanto cravava suavemente os dedos na minha barriga.
            - Por favor, sigam-me enquanto a Miriam, a minha empregada vem buscar as vossas bagagens. – Convidou saindo da nossa frente e começando a andar à nossa frente. Lewis, felizmente, aproveitou a oportunidade enquanto seguíamos atrás dele para me dizer ao ouvido um sussurrado “eu já te conto tudo”.
            À nossa direita surgiu uma jovem de cabelos pretos e franja recta com uma inconfundível farda de empregada que colocou as mãos juntas em frente ao corpo e inclinou-se numa respeitosa vénia. Lewis e eu, de novo em sintonia, cumprimentámo-la com um aceno de cabeça.
            - Ah, Miriam, poderás levar as malas que o meu sobrinho e a sua companhia trouxeram no seu belíssimo Carocha para os quartos, por favor? – Pediu Bruno à jovem sem parar de andar e esta seguiu para a garagem como se fosse um soldado a correr para se equipar para a guerra, mas claro, correu como uma jovem rapariga dos anos 60: passadas curtas e apressadas. – Ah, pois é… - Exclamou Bruno, virando-se de repente para nós. – Peço imensa desculpa pela minha indelicadeza, mas não perguntei se queriam ficar em quartos separados ou se queriam ficar no mesmo quarto. – Desculpou-se com uns olhinhos de fazer pena a uma criancinha.
            - Gostaria que ficássemos no quarto dos meus pais, se for possível, tio. – Disse Lewis, simples e neutro. Bruno curvou a cabeça momentaneamente e, ao voltar a erguê-la, vi algo muito perto de pesar.
            - Com toda a certeza, sobrinho querido. Nós não mexemos uma partícula de pó desse quarto. Que os céus tenham as suas almas em descanso… - Murmurou de novo, olhando para cima. De seguida, cerca de um segundo depois, olhou para nós de novo no aqui e agora e começou a caminhar para o nosso lado. – Não se esqueçam do que iam dizer, eu vou avisar a Miriam para onde levar as vossas bagagens. Com licença e perdoem-me. – Disse já quase atrás de nós. Lewis não perdia nada, mas antes que ele dissesse alguma coisa, eu dei uma ligeira cotovelada na barriga e comecei a meter conversa fiada para disfarçar.
            - E sei, já falamos. – Sussurrei-lhe com a cabeça baixa, levantando-a de seguida para o olhar. – O teu tio parece ser muito boa pessoa, tem muito bons modos e parece ser muito delicado. – Acrescentei num tom mais alto e infantil, sorrindo-lhe. Ele piscou-me o olho e dedicou-me um meio sorriso.
            - Sim, é muito bem-apessoado, tal como a minha mãe era. Fico contente por ele ser assim, faz-me sentir mais perto dela e é muito engraçado. – A normalidade da conversa tinha, ao menos, escondido a minha desconfiança, em parte partilhada por Lewis, e o pesar que vi toldar o brilho especial do olhar dele. Encostei a cabeça no peito dele passei o braço esquerdo por trás dele, apertando-me contra ele e passando com a mão direita pela zona da barriga em consolo. Em resposta, ele passava a mão pelo meu braço para cima e para baixo e pousava os lábios no topo da minha cabeça enquanto a minha mente só se concentrava nas ligeiras curvas que a mão direita captava da barriga dele. Olááá, ronronava o meu lado mais indecente, porém ainda bem que Bruno aparecera do nada atrás de nós antes que as imagens que me estavam a surgir pudessem marcar a minha memória.
            - Como ia a dizer, sigam-me por favor meus queridos. – Disse Bruno ultrapassando-nos e voltando ao modo anfitrião com a mãozinha, que de pequena não tinha nada, virada para cima e pendida para a direita. – Tenho só uma perguntinha antes de entrarmos: querem comer alguma coisa primeiro ou preferem um banhinho quentinho e descansar um pouco?
            A fome já tinha começado a afectar o meu estômago, mas havia algo naquela atmosfera que me fazia andar receosa num jogo do “esconde-antecipa”, que me fazia ocultar toda e qualquer coisa que me passasse pela cabeça e me armasse em jovem inconsciente e inocente. Não gostava de me esconder desta forma, não quando tinha alguém que me conhecesse minimamente como Lewis. Se estivesse sozinha, tornava-se tudo muito mais simples, não tinha de confiar em ninguém para me safar nem de lançar olhares nervosos para o colega e tudo o mais que pode denunciar um infiltrado. Mas tinha de vir com Lewis como se fosse um atrelado ao Carocha e brincar aos namoros para a zona chique de Houston. Perfeitamente bestial.
            Mas eu sou quase um detector de mentiras, posso ver, sentir e ouvir as pessoas como provavelmente poucos podem. Posso também me divertir por conta própria nesta investigação. Eu posso saber mais do que Lewis pode pensar, tudo o que preciso é saber o que ele quer saber desta casa e deste homem semi-homossexual. Aí, quando souber a informação, talvez possa, pelo menos deixar cair a inocência no chão.
            Para todos os efeitos e situações, algo me dizia naquele momento que eu ainda teria um papel muito importante. Não posso continuar debaixo da asa do falcão quando tenho este pressentimento e sinto o perigo a rondar a minha pessoa.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

De volta ao trabalho~!

Ohaio gozaimasu~!
como diz o bom japonês (se bem que o meu é péssimo n.n'), muito bom dia!

depois do trauma que estas férias foram (quais são as minhas férias que não o são, né?), voltei ao trabalho.
agradeço imenso a quem foi paciente e a quem me apoiou ~nyssa e leya, agradeço imenso os vossos turnurentos comentários~

enquanto vêm e não vêm novos capítulos, deixo-vos com mais uns videos da Ayumi Hamasaki (céus, estou completamente viciada n.n')

estes são do espectáculo de passagem de ano que ela faz desde do ínicio deste século e estes dois remetem para o FINAL CONTDOWN 2009/2010 ~Future Classics~

Humming 7/4, originalmente do algum My Story, de 2004


e Momentum, originalmente do album Secret, de 2006


agradeço de novo a todos e não percam este sítio de vista n.n'
beijos a todos
Shizuka ~Suse~